por Aron Belinky, 20/12/2009
Das muitas lições que vão aparecendo conforme assentam a poeira e as emoções levantadas pela CoP15, uma das mais evidentes é a confirmação do ditado que intitula este artigo.
Por exemplo, o caso do Sr. Lars Rasmussen, primeiro-ministro da Dinamarca, que protagonizou alguns dos mais deploráveis lances do espetacular fiasco em que terminou a conferência do clima em Copenhague, CoP15. Há ampla convicção que um dos elementos centrais para tal insucesso foi a postura autoritária e auto-centrada do responsável por presidir um evento dessa importância. Quem ignora as regras do jogo e os processos democráticos estabelecidos por uma comunidade, não pode esperar que este mesmo grupo endosse seus atos e decisões. Quem cultiva acordos em conchavos obscuros não irá colher o respaldo dos que duramente lavram consensos no campo aberto das Nações Unidas.
É nessa evidente morosidade e ineficácia dos processos da ONU que o presidente final da CoP15 procurou justificar sua postura. Para salvar as aparências, preferiu meter-se a montar um acordo rápido entre os atores principais, do que enfrentar o prenunciado vazio de conclusões em Copenhague. Afinal, era isso mesmo que poderia resultar dos dois longos anos de reuniões preparatórias, uma torturante coleção de conversas ocas entre negociadores sem real poder. A bem da verdade, lembre-se que Rasmussen até tentou adiar ou esvaziar a CoP15, avisando que dela não se podia esperar muito, dada a ineficácia do processo preparatório. Foi impedido pela pressão da ciência e da sociedade civil, alertas para o fato de que o clima não espera e o tempo não para: TicTacTicTac. Melhor cair logo na realidade, do que permanecer iludidos.
Vemos aqui dois outros exemplos de plantio e colheita: o dos países-membros da ONU, e o da sociedade civil planetária. No que tange aos primeiros, o que plantaram foi um processo ineficaz, os tais dois anos de preparo, que pouco ou nada prepararam. Burocratas e diplomatas agiram como lavradores irresponsáveis, fingindo que aravam, quando apenas arranhavam a superfície dura de um enorme desafio. Pior fizeram os chefes de Estado e governo, seus pretensos líderes, que fingiam acreditar enquanto seus comandados fingiam que avançavam.
Pior ainda se de fato acreditavam na farsa, ou se nem sequer a ela prestavam atenção, surdos aos gritos da ciência e das precoces vítimas do clima, como se tudo ocorresse com a quietude das geleiras que derretem. Colheram retumbante fracasso. Desmoralização pública, gravada para a posteridade pelos milhões de registros e testemunhos dos dias da CoP15: as duas semanas em que diplomatas irresponsáveis tentaram consertar dois anos de incúria. Dos dois dias em que políticos acuados tentaram, madrugada adentro, resolver problemas que pouco antes desprezaram. Das últimas horas, em que os pseudo-líderes simplesmente fugiram da cena do crime, do plenário que ridiculamente varou a noite para, pelo menos, arrumar a bagunça.
Mas alguém teve boa colheita: as centenas de organizações da sociedade civil, de todos os matizes: ambientais, sociais, religiosas, sindicais, empresariais, profissionais, acadêmicas... Esse diversificado e meio caótico grupo descobriu-se unido como nunca. Articulado como jamais se viu, superando diferenças individuais em prol de um objetivo comum. O mundo não será mais o mesmo, após dezembro de 2009. E a razão para isso é o alerta que, graças a milhões de vozes, fez o tema das mudanças climáticas ser finalmente alçado ao status de emergência global, trazendo consigo as discussões sobre justiça social (agora climática) e o inexistente sistema de governança global. Mesmo subestimada pelo noticiário, todos sentem ser essa a força por trás dos fatos que chegam à superfície da grande imprensa. Lembrando Caetano Veloso, é a genteestrela, que se espanta à própria explosão. E não vai parar por aqui: está apenas no começo.
Concluindo, e fazendo devida homenagem aos cidadãos e cidadãs do mundo, lembro que houve algo de belo no reino da Dinamarca, como as 100.000 pessoas pacíficas, mas não passivas, marchando pelas ruas geladas no 12 de dezembro. É exceção que confirma a regra do plantio e colheita: mesmo plantando desorganização, desrespeito e brutalidade, os organizadores da CoP15 não colheram a previsível reação violenta. Grata surpresa!
Muitas sementes foram plantadas em Copenhague e no mundo todo. Cumpre agora a todos nós delas zelarmos delas com carinho e cuidado, em nome do merecido futuro que colheremos.
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Aron Belinky (aron@ecopress.org.br), consultor especializado em sustentabilidade e
responsabilidade social, é coordenador executivo da campanha TicTacTicTac no Brasil.