20090219

burros motivados

A revista IstoÉ publicou esta entrevista de Camilo Vannuchi. O entrevistado é Roberto Shinyashiki, médico psiquiatra, com Pós-Graduação em administração de empresas pela USP, consultor organizacional e conferencista de renome nacional e internacional.

"Cuidado com os burros motivados"
Em "Heróis de Verdade", o escritor combate a supervalorização das aparências, diz que falta ao Brasil competência, e não auto-estima.

ISTOÉ -- Quem são os heróis de verdade?
Roberto Shinyashiki -- Nossa sociedade ensina que, para ser uma pessoa de sucesso, você precisa ser diretor de uma multinacional, ter carro importado, viajar de primeira classe. O mundo define que poucas pessoas deram certo. Isso é uma loucura. Para cada diretor de empresa, há milhares de funcionários que não chegaram a ser gerentes. E essas pessoas são ratadas como uma multidão de fracassados. Quando olha para a própria vida, a maioria se convence de que não valeu a pena porque não conseguiu ter o carro nem a casa maravilhosa. Para mim, é importante que o filho da moça que trabalha na minha casa possa se orgulhar da mãe. O mundo precisa de pessoas mais simples e transparentes. Heróis de verdade são aqueles que trabalham para realizar seus projetos de vida, e não para impressionar os outros. São pessoas que sabem pedir desculpas e admitir que erraram.

ISTOÉ -- O sr. citaria exemplos?
Shinyashiki -- Quando eu nasci, minha mãe era empregada doméstica e meu pai, órfão aos sete anos,empregado em uma farmácia. Morávamos em um bairro miserável em São Vicente (SP) chamado Vila Margarida. Eles são meus heróis. Conseguiram criar seus quatro filhos, que hoje estão bem. Acho lindo quando o Cafu põe uma camisa em que está escrito "100% Jardim Irene". É pena que a maior parte das pessoas esconda suas raízes. O resultado é um mundo vítima da depressão, doença que acomete hoje 10% da população americana. Em países como Japão, Suécia e Noruega, há mais suicídio do que homicídio. Por que tanta gente se mata? Parte da culpa está na depressão das aparências, que acomete a mulher que, embora não ame mais o marido,mantém o casamento, ou o homem que passa décadas em um emprego que não o faz se sentir realizado, mas o faz se sentir seguro.

ISTOÉ -- Qual o resultado disso?
Shinyashiki -- Paranóia e depressão cada vez mais precoces. O pai quer preparar o filho para o futuro e mete o menino em aulas de inglês, informática e mandarim. Aos nove ou dez anos a depressão aparece. A única coisa que prepara uma criança para o futuro é ela poder ser criança. Com a desculpa de prepará-los para o futuro, os malucos dos pais estão roubando a infância dos filhos. Essas crianças serão adultos inseguros e terão discursos hipócritas. Aliás, a hipocrisia já predomina no mundo corporativo.

ISTOÉ - Por quê?
Shinyashiki -- O mundo corporativo virou um mundo de faz-de-conta, a começar pelo processo de recrutamento. É contratado o sujeito com mais marketing pessoal. As corporações valorizam mais a auto-estima do que a competência. Sou presidente da Editora Gente e entrevistei uma moça que respondia todas as minhas perguntas com uma ou duas palavras. Disse que ela não parecia demonstrar interesse. Ela me respondeu estar muito interessada, mas, como falava pouco, pediu que eu pesasse o desempenho dela, e não a conversa. Até porque ela era candidata a um emprego na contabilidade, e não de relações públicas. Contratei-a na hora. Num processo clássico de seleção, ela não passaria da primeira etapa.

ISTOÉ -- Há um script estabelecido?
Shinyashiki -- Sim. Quer ver uma pergunta estúpida feita por um Presidente de multinacional no programa O aprendiz? "Qual é seu defeito?" Todos respondem que o defeito é não pensar na vida pessoal: "Eu mergulho de cabeça na empresa. Preciso aprender a relaxar". É exatamente o que o Chefe quer escutar. Por que você acha que nunca alguém respondeu ser organizado ou esquecido? É contratado quem é bom em conversar, em fingir. Da mesma forma,na maioria das vezes, são promovidos aqueles que fazem o jogo do poder. vice-presidente de uma as maiores empresas do planeta me disse: "Sabe, Roberto, ninguém chega à vice-presidência sem mentir". Isso significa que quem fala a verdade não chega a diretor?

ISTOÉ -- Temos um modelo de gestão que premia pessoas mal preparadas?
Shinyashiki -- Ele cria pessoas arrogantes, que não têm a humildade de se preparar, que não têm capacidade de ler um livro até o fim e não se preocupam com o conhecimento. Muitas equipes precisam de motivação, mas o maior problema no Brasil é competência. Cuidado com os burros motivados. Há muita gente motivada fazendo besteira. Não adianta você assumir uma função para a qual não está preparado. Fui cirurgião e me orgulho de nunca um paciente ter morrido na minha mão. Mas tenho a humildade de reconhecer que isso nunca aconteceu graças a meus chefes, que foram sábios em não me dar um caso para o qual eu não estava preparado. Hoje, o garoto sai da faculdade achando que sabe fazer uma neurocirurgia. O Brasil se tornou incompetente e não acordou para isso.

ISTOÉ -- Está sobrando auto-estima?
Shinyashiki -- Falta às pessoas a verdadeira auto-estima. Se eu preciso que os outros digam que sou o melhor, minha auto-estima está baixa. Antes, o ter conseguia substituir o ser. O cara mal-educado dava uma gorjeta alta para conquistar o respeito do garçom. Hoje, como as pessoas não conseguem nem ser nem ter, o objetivo de vida se tornou parecer. As pessoas parecem que sabem,parece que fazem, parece que acreditam. E poucos são humildes para confessar que não sabem. Há muitas mulheres solitárias no Brasil que preferem dizer que é melhor assim. Embora a auto-estima esteja baixa, fazem pose de que está tudo bem.

ISTOÉ -- Por que nos deixamos levar por essa necessidade de sermos perfeitos em tudo e de valorizar a aparência?
Shinyashiki -- Isso vem do vazio que sentimos. A gente continua valorizando os heróis. Quem vai salvar o Brasil? O Lula. Quem vai salvar o time? O técnico. Quem vai salvar meu casamento? O terapeuta. O problema é que les não vão salvar nada! Tive um professor de filosofia que dizia: "Quando você quiser entender a essência do ser humano, imagine a rainha Elizabeth com uma crise de diarréia durante um jantar no Palácio de Buckingham". Pode parecer incrível, mas a rainha Elizabeth também tem diarréia. Ela certamente já teve dor de dente, já chorou de tristeza, já fez coisas que não deram certo. A gente tem de parar de procurar super-heróis. Porque se o super-herói não segura a onda, todo mundo o considera um fracassado.

ISTOÉ -- O conceito muda quando a expectativa não se comprova?
Shinyashiki -- Exatamente. A gente não é super-herói nem superfracassado. A gente acerta, erra, tem dias de alegria e dias de tristeza. Não há nada de errado nisso. Hoje, as pessoas estão questionando o Lula em parte porque acreditavam que ele fosse mudar suas vidas e se decepcionaram. A crise será positiva se elas entenderem que a responsabilidade pela própria vida é delas.

ISTOÉ -- Muitas pessoas acham que é fácil para o Roberto Shinyashiki dizer essas coisas, já que ele é bem-sucedido. O senhor tem defeitos?
Shinyashiki -- Tenho minhas angústias e inseguranças. Mas aceitá-las faz minha vida fluir mais facilmente. Há várias coisas que eu queria e não consegui. Jogar na Seleção Brasileira, tocar nos Beatles (risos). Meu filho mais velho nasceu com uma doença cerebral e hoje tem 25 anos. Com uma criança especial, eu aprendi que ou eu a amo do jeito que ela é ou vou massacrá-la o resto da vida para ser o filho que eu gostaria que fosse. Quando olho para trás, vejo que 60% das coisas que fiz deram certo. O resto foram apostas e erros. Dia desses apostei na edição de um livro que não deu certo. Um amigão me perguntou: "Quem decidiu publicar esse livro?" Eu respondi que tinha sido eu. O erro foi meu. Não preciso mentir.

ISTOÉ - Como as pessoas podem se livrar dessa tirania da aparência?
Shinyashiki -- O primeiro passo é pensar nas coisas que fazem as pessoas cederem a essa tirania e tentar evitá-las. São três fraquezas. A primeira é precisar de aplauso, a segunda é precisar se sentir amada e a terceira é buscar segurança. Os Beatles foram recusados por gravadoras e nem por isso desistiram. Hoje, o erro das escolas de música é definir o estilo do aluno. Elas ensinam a tocar como o Steve Vai, o B. B. King ou o Keith Richards. Os MBAs têm o mesmo problema: ensinam os alunos a serem covers do Bill Gates. O que as escolas deveriam fazer é ajudar o aluno a desenvolver suas próprias potencialidades.

ISTOÉ -- Muitas pessoas têm buscado sonhos que não são seus?
Shinyashiki -- A sociedade quer definir o que é certo. São quatro loucuras da sociedade. A primeira é instituir que todos têm de ter sucesso, como se ele não tivesse significados individuais. A segunda loucura é: Você tem de estar feliz todos os dias. A terceira é: Você tem que comprar tudo o que puder. O resultado é esse consumismo absurdo. Por fim, a quarta loucura: Você tem de fazer as coisas do jeito certo. Jeito certo não existe. Não há um caminho único para se fazer as coisas. As metas são interessantes para o sucesso, mas não para a felicidade. Felicidade não é uma meta, mas um estado de espírito. Tem gente que diz que não será feliz enquanto não casar, enquanto outros se dizem infelizes justamente por causa do casamento. Você pode ser feliz tomando sorvete, ficando em casa com a família ou com amigos verdadeiros, levando os filhos para brincar ou indo a praia ou ao cinema. Quando era recém-formado em São Paulo, trabalhei em um hospital de pacientes terminais. Todos os dias morriam nove ou dez pacientes. Eu sempre procurei conversar com eles na hora da morte. A maior parte pega o médico pela camisa e diz: "Doutor, não me deixe morrer. Eu me sacrifiquei a vida inteira, agora eu quero aproveitá-la e ser feliz". Eu sentia uma dor enorme por não poder fazer nada. Ali eu aprendi que a felicidade é feita de coisas pequenas. Ninguém na hora da morte diz se arrepender por não ter aplicado o dinheiro em imóveis ou ações, mas sim de ter esperado muito tempo ou perdido várias oportunidades para aproveitar a vida.

"Somos feitos da mesma matéria dos sonhos."
(Shakespeare)
_

No comments:

Post a Comment

extenda-se!

tag | labels

cultural 2012 humor flagrantes da vida real brasil arte brisa link tupiniquim homem música amor profundo tech brasileiro mulher relação agora sabedoria clássico alx hoera sexo vídeo natureza hype design dica são paulo piada agentegosta vida bizarrices gay história curiosidades hit loveland auto-ajuda de bolso atualidades alex hoera lyrics tempo gringo grana vergonha alheia 2011 desenho política preconceito 80s amizade moda INSIGHT animação eco somos nozes clichê nerd 420 governo alx LISTA sp exposição ... me gusta zeitgeist festa erva saúde love art filme sustentabilidade pmsp drinks poema poesia auto-promoção árvore animais ayahuasca celebridades cultura ritual bagaceirice imagem do dia motivacional photo violência slow food água fingindo naturalidade reciclagem tv geek paz índio família old's cool sex novidade criativo humano mundo teste palavra natural televisão 350 beck polícia tecnologia cvida drama religião sincronicidade #EuSouGay drogas 350.org carnaval cinema vintage acontece movie desenhos lenda lindo photoshop rehab texto homofobia luz polêmica sensibilização tendência trampo war artistas espírito futuro music índia acessibilidade anorexia belo contato nada se leva sensacional triângulos alex fake hiep hiep hoera achado crianças incrível passado planeta relax sol 11:11 ajuda alma chico xavier francisco cândido xavier praia viagem viajar arnaldo jabor ação bacana clima colaborativo curta daniel guarda desabafo ecologia lap to dance original pensamento prefeitura ronaldo show som utilidade verde viva yoga pela paz UMAPAZ climão meio ambiente rainbow spfw terra transexual transformação urbano yoga amigos aquecimento global beijaflor colaboração colorido danger mistura urbana peculiar projeto social quiz raul reflexão rio de janeiro rotina socioambiental teatro trendy tudo 03:03 announcement arts banksy boy boy magia conexão dia mundial sem carro esporte evento gripe suína popporn popporn festival popular produção referência saudades saudável sossego teletransporte telma terremoto wikipedia ano novo ansiedade caminho casa triângulo clipe comunicação drummond dúvida educação figurinista fotografia gato larica livro menina não pode ovo poder presente puta falta de sacanagem receita sentimento sonho tenso virada cultural álcool adriana charoux aula before today blog coordenação de produção delícia desconectar para conectar dinheiro egotrip elke maravilha eu não quero voltar sozinho fato feedback filosofia baraa fofo ivan forneron katita 80 katita make lovely mar maísa moving planet museu da língua portuguesa photos por quê? porque portifolio projeção psicografia risos saudade sergio fahrer silêncio simetria sport susan boyle tattoo teatro mágico that's hot traços trilha (F) 9gag arte assume vivid astro focus (avaf) atuação bad banda uó banho bar.bar blogueiro boys bruno zanardo bêca bêca arruda cacete cartagena charoux chimarrão clarice clarice lispector colômbia combustíveis fósseis cores desespero e-mail economia ego emmanuel entrevista fetiche greve hot infantil ingredientes instituto C e A jum nakao linhas lucas corazza mailing mensagem mmm org organização palhaço party paulo leminski perdão primavera produção de figurino prostituição radio reclamação redes sociais satsang sk8 sri prem baba subprefeitura tiração de sarro toca raul tradição trip ASSEF ASSEF/SP SoundCloud acacio abreu de oliveira adalgisa morato advogado aganjú alan watts amir labaki andré cruz arena eugênio jusnet augusta avaf balada basta bebel gilberto bope brasill breja bullying butt cacetete caloi carlos saldanha carta da terra caveira censura charles baudelaire chá cinepro circo circo voador coisas de marcelle colombia confeitaria connected cosmópolis cowork coworking culinária curso database datarock decameron dia do rock direito doce dupla ebtg ellen lima energia escorpião estúdio bola estúdio fabricia miani fail faria fashion felipe dall'anese finanças floresta formação fox fox home entertainment brasil futon company gabriela brenman de azevedo galeria do rock geometric gráficos guto lacaz happy hour herbert viana hora ibirapuera idec jackson ricarte jardins jorge serrão joåo saraiva kangwaá lacuna filmes lançamento larmod latinha laura stankus leo cavallini levis br lila varo lions locomotiva lothar lothar charoux louise despont luciana nicolodi lunchbox magazine make mano mano chao maou maquiagem marcelona mariana cobra marione tomazoni masp medo mentira metrô militarismo mixwit mostra de arte pública mostraurbe máquina nextel nextu noite origami os mutantes oscar wilde ouvidoria paralapraca paris hilton parque paul alex thornton paul alexander thornton paulista pedro mendes pedro useche perdição piauí pinturas planetas plano de celular playmobil poem promoção psmp quixotes reajuste salarial reveillon revista rio - o filme rock sacanagem signo silicone simian mobile disco simpatia skate social media sopa squid studio sopa studio sp tarde telefone tennis thiago cagiano tom of finland trilha sonora tu universidade urbe vanessa ferras vestígios visíveis web wwf